Resenha: O Homem de Aço reintroduz Superman para o grande público
Todos parecem conhecer a história: enviado pelos seus pais naturais de um planeta condenado em direção à Terra, o pequeno bebê é encontrado por um casal e criado como humano. Mas logo demonstra habilidades fora do normal, e quando se torna adulto assume a identidade de Superman para lutar contra o mal.
O personagem é um dos mais conhecidos do mundo, com forte presença na cultura pop e enraizado no subconsciente das pessoas. Entretanto, para a maior parte do público os conceitos sobre ele foram definidos com base em poucas fontes, principalmente os filmes estrelados por Christopher Reeve e desenhos infantis como Superamigos.
Enquanto esses são ótimos exemplos, ainda assim abordam apenas parte de sua ampla mitologia, que está completando 75 anos, e acabaram engessando o personagem ao longo do tempo.
Ao contrário do Batman, que já teve diversas reinterpretações para televisão e cinema; ou dos heróis da Marvel, que só recentemente passaram a ser difundidos em mídias de massa; praticamente todas as versões do Superman bebem na fonte de Superman, o Filme (1978), dirigido por Richard Donner. Até mesmo produções recentes (como Smallville e Superman - O retorno) fizeram isso.
E é aí que reside o maior desafio de O Homem de Aço. Como acabar com este ciclo, apresentar outras facetas presentes na longa história do Superman e vencer o desafio de quebrar os conceitos que a maioria das pessoas possuem por causa de um filme lançado há 35 anos?
A decisão foi ignorar tudo o que existia antes e fazer um reboot da franquia, reanalisar cada aspecto de sua mitologia, conscientemente, e se afastar de versões anteriores. É exatamente isso que foi feito: um reboot (reinício) e não um remake (refazer). A diferença é grande.
O filme começa em um Krypton totalmente novo, introduzindo novidades para aquele mundo, como seu povo ter sido formado por exploradores espaciais no passado e viverem sob uma política na qual seus habitantes nascem após passarem por uma engenharia genética que definem qual caminho tomarão na fase adulta: se dedicar à área científica, trabalhadores ou até soldados.
Esta ideia não é novidade no mundo dos quadrinhos, já fazendo parte da mitologia do herói há anos. Apenas para ficar em alguns exemplos, na década de 1980 o escritor John Byrne criou Krypton como um planeta altamente desenvolvido na tecnologia de clonagem. O vilão Apocalypse e o novo Superboy seguiam pelo mesmo caminho.
O longa-metragem tem um forte teor de ficção científica durante toda sua projeção (aliás, quando a primeira história do Superman foi publicada, em 1938, era classificada justamente como este gênero. O termo “super-heróis” só passou a designar este tipo de quadrinho por causa do seu sucesso).
A partir do momento em que Kal-El é enviado à Terra, o filme passa a adotar uma interessante narrativa não-linear. Os espectadores logo são apresentados a um Clark Kent já adulto e sem rumo na vida, tentando encontrar seu lugar. Ele pula de trabalho em trabalho, com nomes falsos, enquanto busca descobrir a verdade sobre sua origem. A cada experiência que vive, mostram-se fatos de sua infância e adolescência.
Em seu encalço está Lois Lane, premiada repórter investigativa do jornal Planeta Diário, que está cobrindo a história de uma ação militar no Ártico e acaba deparando com o que pode ser a maior história da humanidade: a existência de alienígenas.
Esta abordagem transforma a história em um conto sobre o primeiro contato da raça humana com seres extraterrestres. Quais implicações isso teria na estrutura de nossa sociedade, como política, religião e segurança? Embora esses assuntos não sejam discutidos de maneira aprofundada, as questões são levantadas.
Outra grande mudança em relação à mitologia clássica envolve Lois Lane. A dúvida de como uma repórter tão inteligente é enganada há anos por Clark é desconstruída aqui, dando a ela um papel um papel mais ativo, se tornando parte fundamental da gênese do herói e criando uma nova dinâmica para a dupla.
Outros personagens são afetados de maneira semelhante. Todos são abordados sob um novo olhar, incluindo Jor-El – muito bem interpretado por Russel Crowe – e o General Zod, que possui motivações mais palpáveis e críveis para suas ações. Como o soldado que é, tem uma missão e responsabilidades para com seu povo, e não se furtará de cumprir aquilo que acha certo para protegê-lo.
Aliás, é um trabalho sólido de todo o elenco, com destaques para Michael Shannon e Henry Cavill, que finalmente encarna um Superman como há muito não se via, seja física ou psicologicamente. A analogia entre Superman e Jesus também está presente aqui, principalmente na idade (33 anos) e na cena em que Clark vai se confessar na igreja, na qual ele aparece na frente de um vitral representando Jesus Cristo.
Já o papel de Kevin Costner como Jonathan Kent é bem menor do que o imaginado.
A parte técnica salta aos olhos, com excelentes efeitos especiais e uma bela cinematografia. O estilo adotado por Zack Snyder é totalmente diferente de seus filmes anteriores, abandonando a estilização e fazendo cenas mais cruas, naturais e reais. Conhecido por se utilizar muito de câmera lenta, o que para muitos se transformou até em piada, aqui o efeito não é usado uma única vez. Pelo contrário, ele reforça o poder contido nesses seres ao dar ênfase em suas habilidades especiais e como seria o embate entre criaturas de tamanho poder.
Por outro lado, de maneira geral o filme possui problemas de ritmo. A escala da história proposta é tão grande que partes da trama acabam passando rápido demais e não levam tempo suficiente para desenvolver algumas situações apresentadas. Algumas passagens que mereciam maior desenvolvimento foram prejudicadas.
No final das contas, O Homem de Aço faz aquilo que um reboot deve fazer: contar uma história conhecida, mas sem deixar de introduzir novidades que façam dela algo novo. Apresentar conceitos que deem à franquia um necessário fôlego para a saga ser expandida e continuada.
E alguns desses caminhos, se forem bem aproveitados, podem render interessantes continuações. Principalmente se decidirem abordar a massiva destruição pela qual Metrópolis passou, por exemplo.
É importante falar sobre um aspecto do final do filme, que certamente causará alguma controvérsia. Mas, por se tratar de spoiler, a dica é: leia apenas quem já assistiu. Se este é o seu caso, clique abaixo para o texto aparecer.
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A violenta luta final coloca o herói em uma encruzilhada. Para deter o vilão e impedir que ele mate mais humanos, Superman se vê sem saída e é obrigado a fazer algo que pouca gente imaginaria: assassinar o General Zod. E assim ele o faz, quebrando o pescoço do vilão. Devastado por ter tirado uma vida, possivelmente da última pessoa de sua própria raça, Superman cai de joelhos em profunda dor.
A ação certamente é mostrada de maneira bastante dura no filme, mas não é a primeira vez que Superman mata. Nos quadrinhos, ele executou Zod e seus seguidores com kryptonita, e no próprio filme Superman II (1980) o vilão morre ao ser jogado em um fosso da Fortaleza da Solidão de uma maneira até covarde, uma vez que ele já não possuía nenhum poder e podia ser facilmente detido (mais tarde, o lançamento da versão de corte do diretor Richard Donner mostra os três kryptonianos sendo presos, mas isso definitivamente não é o que acontece no longa-metragem de Richard Lester, que chegou aos cinemas).
Faz parte da mitologia do herói o fato de ele se recusar a tirar uma vida e fazer todo o necessário para evitar isso. Mas por quê? O assunto também abordado na trilogia do Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, e mostra que Batman não atravessa essa linha pelo trauma de ter perdido os pais assassinados. Superman, apesar de ter perdido o planeta natal inteiro por motivos naturais, jamais vivenciou a tragédia de ver a violência afetar sua vida de maneira tão marcante até então.
Somente quando alguém se vê em certas situações que realmente sabe como atitudes drásticas o afetará, ainda mais em situação de vida e morte, quando se age em legítima defesa. Apesar de ter sido criado com fortes valores morais, o beco sem saída no qual Superman se encontra, sua decisão e a dor posterior o torna mais tridimensional, parte de seu crescimento e amadurecimento. Mais um passo para afastar a falsa imagem difundida de que é um herói simplista.
Além disso, se o fato for abordado em futuras histórias, abre interessantíssimas ramificações para o andamento da franquia.[/spoiler]
O Homem de Aço
Duração: 143 minutos
Estúdio: Warner Bros.
Direção: Zack Snyder
Roteiro: David S. Goyer
Elenco: Henry Cavill, Amy Adams, Russell Crowe, Kevin Costner, Diane Lane, Michael Shannon, Laurence Fishburne, Antje Traue, Ayelet Zurer, Harry Lennix, Christopher Meloni, Richard Schiff.